Na hora de deixar os sonhos de lado, parou por um instante.
Seria esse o futuro de todo mundo?
Olhou pra trás, pela primeira vez, em muito tempo.
Olhou pra quando não pensava nessas coisas, pra quando o mundo era uma bola de papel, desafio era ficar em pé por cinco minutos e certeza não tinha o menor destaque no seu pequeno dicionário em construção.
Sonhava, e sonhava muito.
Sonhava tanto que esquecia de viver, que esquecia de respirar o ar desse mundo, enchendo o corpo e a alma com suas criações, com suas especulações, com suas queridas ilusões. Até brincou de querer viver algumas, de achar que seriam melhores se fossem reais, mas não, o mundo não era o bastante para os seus sonhos. Nunca imaginara que seus sonhos só funcionariam nos seus sonhos, do seu jeito. Sonhou que o resto do mundo entenderia os seus sonhos, mas bem..
O resto do mundo tinha os próprios sonhos, e, de tão diferentes, as suas teorias de perfeição criadas não cabiam dentro da realidade, não cabiam nem dentro dos sonhos do mundo, que o mundo sonhava bem diferente. Para o resto do mundo, o que importava, primeiro, era a superfície, é claro, pensou. A Realidade do mundo não era tão bonita. Só os seus sonhos começavam de dentro pra fora, o resto do mundo funcionava de fora pra dentro.
Depois disso, os seus sonhos também começaram a mudar.
O Mundo fez com que visse as coisas de outro jeito, que não era o jeito dos seus sonhos, mas também não era o jeito do mundo. Olhava pras outras pessoas e via nelas não a cara, não o coração, mas os sonhos. Via o que queriam, no que pensavam, no que falavam, e o que mais deixassem. Via muito, mas entendia pouco. Começou a tentar entender, começou a imaginar, começou a arquitetar um novo jeito, o seu jeito de viver.
Começou então a escolher. Escolheu respirar ar de verdade, escolheu começar as coisas de fora pra dentro, quando viu que, sem o resto do mundo, era só sonhos, e os sonhos não bastavam mais. Eram muito pouco, precisava viver, agora, que a sua alma só já não brotava mais tantos sonhos quanto antes. Então foi pro resto do mundo procurar mais situações pra imaginar, idéias mais trocadas que criadas, foi procurar mais coisas pra sonhar.
E foi assim que viveu. Foi assim que respirou ar, foi assim que deixou o vento brincar com o cabelo, foi assim que viu o mar subir e descer, em barquinhos de papel e máscaras de mergulho. Foi assim que conheceu pessoas, que fez amigos, que sentiu saudade, que começou a sentir. Passou a sentir as coisas ao invés de só ver, parou de imaginar tudo que ainda havia de lhe aparecer. Viu que tinham, sim, outras pessoas cujos sonhos pareciam com os seus, e trocaram boas risadas, fizeram boas besteiras e guardaram boas memórias.
Tentou até escolher o que sonhar, mas isso não se escolhe. O Valor que teriam os sonhos que deixou de lado, então, ninguém sabe calcular. Nem sonharia mais, também, em querer recuperar aquilo. Tinha escolhido andar pra frente, mas, sem querer, deixava pra trás os maiores sonhos, que não podiam mais andar tão rápido assim...
O Mundo lhe ofereceu a vida, mas quis mais, mais que o próprio mundo tinha pra lhe dar.
Antes, sabia pouco, mas sonhava muito.
Agora, achava que sabia muito, e sonhava pouco.
Pensava muito, isso sim, mas esquecia de sonhar. Esquecia tudo, na verdade, mas os sonhos?
Os sonhos não podiam ser esquecidos, não eles, não os seus companheiros de todas as horas, a alegria dos seus dias e noites, que enchiam seus pulmões e esticavam seu tempo.
Na hora de deixar os sonhos de lado, parou por um instante.
Nesse instante, quando olhou pra frente, não havia mais sonhos. Não havia mais sonhos, só conhecimento, e lembranças, só tinha certezas, só coisas, coisas que antes eram sonhos e, agora, eram só coisas. Antes, sonhava com tudo. Agora, seu grande sonho era ter, como antes, um grande sonho..
Ah. Que se dane o resto do mundo, disse, pra dentro.
E os sonhos voltaram a aparecer, não conseguia nem mais pensar em viver sem eles...
(http://ateasduas.blogspot.com/)
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